Localizada no município de Quintana Roo na costa de Cancún, em uma área de 7,5 km de comprimento e uma média de 500 metros de largura, Isla Mujeres é o local onde em uma temporada no ano ocorre a desova dos peixes Snapper. É nesta época, chamada de “Festival do Tubarão Baleia”, que os mesmos migram para a região para se alimentar dessas ovas.
A primeira notícia de Isla Mujeres é datada do período entre 564 e 1516 DC, e a coloca como uma província Maya, uma das quatro províncias ou territórios maias que formaram o que hoje é o estado de Quintana Roo. Nesta idade Isla Mujeres não era uma cidade, mas sim um santuário para a deusa Ixchel (deusa da tecelagem, da felicidade, da lua, abundância e medicina, entre outras virtudes)e com certeza da abundância, pois o número de Tubarões Baleias em suas águas supera o de qualquer outro lugar do mundo.
De Playa Del Carmen, fui de carro até Cancun na marina de onde partem os barcos para o tour com os “tubaleias”. Julho e agosto são os meses de maior incidência, onde chega-se a avistar mais de 200 animais de uma só vez. Mas a temporada se estende até dia 15 de setembro, e o motivo desta concentração é a grande quantidade de plâncton e ovas de Cioba, alimentos destes animais que podem chegar a 20 metros de comprimento. Apenas nesta região e em Ningaloo Reef, na Austrália, é possível fazer snorkeling com grandes quantidades destes animais. Como fui no final da temporada “somente” 40 tubarões estavam ali para meu deleite.
Após o comandante da embarcação checar com seus colegas (são 80 barcos com permissão para levar turistas) a posição da agregação de animais, nos preparamos para cair na água. Normalmente é feito um rodízio para que apenas duas pessoas por vez entrem na água com eles, mas tive uma permissão especial para cair na água a vontade uma vez que estava ali para realizar essa matéria, e coletar o maior número de imagens nas 3 horas do passeio.
O encontro com esta magnífica criatura, que certamente esta listado como um dos pontos altos de uma viagem ao México, é inesquecível até para quem já teve muitas oportunidades de mergulhar com esses animais pelos 4 cantos do mundo. Somente a forma como a atividade é realizada pode ser questionável, comparando-se ao que imagino ser a melhor maneira de explorar a vida marinha, e mesmo com regras e padrões específicos para não molestar demais os animais, ainda assim são centenas de pessoas completamente despreparadas e em frenesi “pertubando” os animais. Ponto para reflexão. Ao final do passeio, o barco de mergulho para em uma praia em Isla Mujeres e o comandante prepara um delicioso ceviche de camarão enquanto todos no barco curtem um banho de mar, deleitados com a experiência vivida.
Uma coisa me impressionou nos tubarões baleia de lá. Achei todos muito pequenos! Pareciam filhotes, variando de 5 a 8 metros, provavelmente Isla Mujeres é um berçário de tubarões baleia com pequenos “bichinhos” de 6 metros. Só que várias histórias rodeiam os tubarões baleia de lá. Por um lado, falou-se que com a diminuição do tubarão tigre na região (que comeria os filhotes dos tubarões baleia), os gigantões puderam se reproduzir à vontade, daí a grande concentração de bebês em Isla Mujeres. Um desequilíbrio ecológico “do bem”. Por outro lado, soube que eles podem variar de tamanho de acordo com a qualidade nutritiva dos plânctons da região. Vivendo e aprendendo.
Um pouco mais sobre esses incríveis animais por Gabriel Ganme:
Podendo atingir comprovadamente 15 metros de comprimento, o Rhincodon typus é o maior peixe dos oceanos, e faz migrações incríveis, basicamente na busca de comida. Este animal está frequentemente presente na época de desovas de certos peixes, épocas de crescimento de algas, enfim, sempre atrás de uma boquinha… ou seria BOCONA? Afinal de contas, este filtrador ativo pode, além de simplesmente nadar de boca aberta filtrando o plâncton, fazer movimentos laterais com a boca, gerando ondas de sucção.
O seu nome científico na verdade foi alterado por um erro de grafia. Originalmente, foi descrito como Rhiniodon, que significa dentículos. Seus pequenos dentes não parecem ter muita função, mas dentro da sua garganta existe uma moela, estilo “roto-rooter” para filtrar e macerar o plâncton. Não é raro vermos o bichano fazendo uma retrolavagem (para não dizer vomitada), expelindo restos alimentares.
O tubarão-baleia pertence a ordem Orectolobiformes, cujas características principais são a boca bem a frente do corpo e dos olhos, que são geralmente pequenos em proporção ao animal. Com duas nadadeiras dorsais sem espinhos, a ordem tem alguns membros muito conhecidos dos mergulhadores, como o Lambarú, comum no nordeste brasileiro, o Wobbegong, da Austrália e o Tubarão Zebra (também chamado de Leopardo no Índico).
Ao contrário das diversas espécies mordedoras, o Tubarão Baleia não tem a famosa membrana nictitante (que protege os olhos nos ataques ou contatos), mas tem belos supercílios, que especialmente quando mergulhadores afoitos se aproximam demais da face, podem ver se movendo e ter a falsa sensação de que está levando uma piscada do tipo cantada. De uma maneira factual e real, o Tubarão Baleia tem duas interações com mergulhadores, indiferença, não dando a mínima para a gente, ou incômodo, no qual costuma desviar e se afastar.
Alías, em pontos onde encontros são muito frequentes, certas coisas devem ser evitadas. No Arco de Darwin, nas Galápagos, os animais se injuriam facilmente com as bolhas na sua barriga. E aí vai uma curiosidade, pois na chamada temporada do Tubarão Baleia, contrariamente a maioria dos pontos de encontro com este animal, o mesmo não está aí pela comida, mas sim para que os tubarões de Galápagos (C. galapagensis) ataquem suas rêmoras, que parecem importuná-lo bastante. Já cheguei a ver um animal de cerca de 10 metros, com mais de 30 rêmoras penduradas, atrapalhando a hidrodinâmica do pobre coitado. Como o nosso amigo Galapagenho não tem o ataque mais preciso do mundo, é frequente vermos marcas de mordida nas nadadeiras dos Tubarões Baleia.
Pouco se sabe da reprodução da espécie, e nem se tem ideia de onde dão a luz. A fecundação é sabidamente interna, com o par de cláspers do macho penetrando a cloaca da fêmea. Bom, este par faz um belo efeito. Uma fêmea capturada tinha cerca de 300 embriões, com cerca de 50 a 60 cm cada, já maduros para nascer. E desta triste captura, descobriu-se que eram ovovivíparos, com ligações placentárias. 300 de uma vez ??? Parece que a mamãe vai soltando sua cria aos poucos. Uma forma de dar melhor chances as crias? Ou a mãe?
Nosso gigante gentil atinge a maturidade sexual apenas por volta de 30 anos de idade, e pode viver até 100 anos, se não for vitimado pelos “animais humanos” antes.
Que curioso, este animal que tem um spam de vida similar ao do ser humano, nasce com 50 cm e pode chegar aos 15 m comendo “matinho”, enquanto nascemos com os mesmos 50 cm e raramente chegamos aos 2 m, comendo tudo o que devemos, ou não.
Com uma perda considerável de suas populações, pois são facilmente avistados da superfície e, consequentemente, fácil presa de pescadores, que vendem suas nadadeiras por cerca de 100 dólares por Kg, os Tubarões Baleia estão na categoria “Vulnerável”, da Red List da IUCN (International Union for Conservation of Nature), que pode ser consultada no site http://www.iucnredlist.org.
Existem diversos locais para encontros com o Tubarões Baleia, destacando as ilhas do Pacífico da América Central, Austrália (Ningaloo Reef), Costa Índica da África, Maldivas, e assim vai. Enquanto o bicho existir.